segunda-feira, 9 de maio de 2011

MARIA DA TERRA



(Natália e Seu Caçula João)


(Uma Homenagem - quase descrição - à Artesã e Agricultora Natália.  Moradora da Comunidade Rural de Paracatu - Distrito de Brasília de Minas-MG, que tive a Honra de Conhecer no ano de 2010. Portadora de uma Energia e Força quão Fonte Enigmática de Inspiração).

Lá vem Maria da terra
Cabelo esganiçado, impregnado
O fosco de sujeira não reflete o laranjão que desce do Sol
Passo lento arrastado
Pelos imundos de sujeira do labor
Enterrava unha rígida que rangia ao tocar
Cada pedra pontuda que não mais sentia
Maria vem mansa, vem muda, calada
Moicada, Vazia no meio do entulho
Como figura desenhada, na pedra, madeira
Figura talhada, Na talha, na Serra
Escultura Moldada, na marra, Na Talha
Vem com olhar desgraçado
Olho quase nem abre a carne firme e escura
Que por cima da bola branca da visão
Deixa o sinal sem perdão na sua cara estampado
Pelo sol, judiada sem lugar pra esconder
Cada marca que passa do nariz pro queixo
Mais parecia um tanto de vala de um rio a correr
Que rasga terra apertada procurando desaguar
E acaba antes do nada
Nenhuma lágrima pode rolar
Ela não chora e não dorme
Ela não chora Nunca

Lá vem Maria da Terra
Um braço despenca sobre os peitos e o outro segura a cabeça
Coça o casco de onde sai cabelo preto e grudado
Que cai descansado naquele braço forte
Nem um palmo de largura tem de carne naquele osso
Quanta bacia, balaio aquele cambito carregou?
Mas agora Segura de si, a força que arrochou
Ela senta repousada em seu trono firme
Como a rainha que pousa no adornado veludo em cedro
Cai sobre Terra marrom cheirando sujo e suor
Pintando as canelas de cisco a rainha despenca
Ela não olha no olho
Sentada, calada vigia o espaço
Ela não olha no olho até saber o que olha
Ela não olha, Cospe

Lá Está Maria da terra
Pega sua cria no colo
Coloca pra sentar na sua coxa, menina franzina
Encardida como o chão, menina não chora
Chora não. Só olha de canto com dedo na boca
Sua saia bonita não tem cor
Ou tem a cor que não se pinta
Cria quieta se acalenta nos peitos caídos
Outrora pontudos, Chupados por muitos, apalpados por quantos?
Lá vai Maria da terra
Corre moleca pra cima do pé de árvore
Pai ta em baixo com o castigo na mão
Onde já se viu trepar com homem feito
Menina nem tem peito direito
Quer em baixo de árvore namorar
Fica aí Maria, até morrer
Mas de seu orgulho não vai descer
Nem de longe vai apanhar
Pode se lascar seu pai e castigo, sabe que no fundo é marmota
Amanhã namora de novo
Treze ano não é pouco nada
Pra quem já tem o que dar
Ela deu e deu com gosto
Moça virgem há de voltar
Toma chá de mangalô
Fechadin volta a ficar
Ela é deu e deu com gosto
O que é da terra é pra colher
Ela colhe, ri esganada
De vez em quando é bom

Lá vai Maria da Terra
Chorou uma vez só
Pariu mais de três
Mulher sempre Prenha
De tudo que lhe foi negado
Da fome que sentiu
E da coragem de pedir, que faltou
Da fome que não mais sentiu
Da caridade de quem cativou
Rasga o chão de poeira fina
Enquanto esquenta na fornalha
De nada adianta sair Dalí
Ou será que a vontade também foi negada
Cozinha calada enquanto lembra
Da barriga abrigada, roncando calada
Pedindo terra pra comer
Ela Leva a mão no córrego
Concha farta de dedo castigado
Finca a mão na areia molhada
Ela engole o grão arrastado
Come terra e se farta
Ela se farta de tudo

Lá vai Maria da Terra
Canta junto do acordeom
Que o velho animado toca
Varando lua afora na beirada
O povo escuta e fecha os olhos
Enquanto ela entoa largada
A boneca cobiçada que sai fácil da garganta
Fica também tarde serena
Quando Maria pensa também tem
Os mesmos lábios de veneno e corpo sem dono
Também é grande o engano
De quem a quer fazer chorar
Ela já trabalhou e foi roubada
Ela já se roubou tantas vezes
Levou-se dela os dias de ouro que ela não conheceu
E ela aí com isso?
Nem do lugar se mexeu
Ela não se mexe tanto
Quase não se mexe com ela
Maria lévem
Sertaneja fibrosa
Parece imaginada em cada palavra que solta
Traçada, combinada na Madeira, na Serra
Talhada na marra, Na talha marcada
Mulher do Sertão

Lévem Maria da terra
Deitar-se em chão batido
Pisar em solo vermelho
Comer o que a terra deu
E dar pra terra o que é seu
Não pude ver Maria dormir
Mas imagino o que acontece
Mulher nua morena se deita
Em terra lisa de marrom corante
E some, desaparece
Como poeira na estrada
Sua carne é engolida
Pala mesma matéria de que é feita
Então Maria dorme
Se entrega de braço aberto
É se mistura interia a terra firme que sossega
Até que o dia amanheça
Até que alguém perceba
Que terra e mulher
Sendo Maria como é
Tem a mesma Sorte
A Mesma fé


(RAFAEL LORRAN)


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