segunda-feira, 28 de abril de 2014

SOBRECARREGADOS DE AMANHÃS



Sim, todos nós acordamos sobrecarregados de amanhãs.
Penso até que essa é a principal adjetivação do sujeito contemporâneo.
É claro que alguns conseguem de maneira um tanto admirável controlar as dosagens e seguir com cautela a sua bula pessoal de procrastinações. Mas a verdade é que a palavra procrastinação tomou uma dispendiosa roupagem pejorativa, de um valor imensamente negativo para um mundo tão ágil, que nesses dias e espaços onde vivemos a expressão “deixar para depois” vestiu-se do mesmo tecido mórbido da titulação “imprudente, irresponsável”, ou talvez ainda mais sujo.
Sem espanto, por menos que isso nosso presente constitui-se de enfermidades psíquicas e somáticas, de desesperos da alma e aflições da existência, um crítico indicador do que temos conquistado daquilo que nos ensinaram a traçar como meta, sonho e realização. Simplesmente esperar, nem que seja três minutos para cozimento de um macarrão instantâneo, soa-nos assim como assinar um atestado vitalício de fracasso e desilusão de si, para si, para os outros. Sendo assim sejamos eternamente ansiosos e desesperados, na corrida desenfreada pelo alcance do... da... pelo alcance de qualquer coisa que seja pra já. Pra não encher linguiça apimentada, quero desabafar estar cansado dessa constante de sermos adestrados a construir amanhãs perfeitos, caramba, nosso prospecto de futuro anda assassinando a única concretude da vida: o presente, não é? Ou não? Nem sei...
Aliás, saudemos a psicanálise, somente ela no hall das ciências modernas é capaz de tangenciar ao mesmo tempo o crível, o incrível e o quociente de ambos num mesmo arcabouço de esperanças, foi a escolhida pelos sobrecarregados de amanhãs e continuará reinando entre as outras alternativas “alternativas” de obtenção da calmaria e paz de aproveitamento do agora. Ou pelo menos da consciência prévia de que só o agora existe. Tenho uma ligeira impressão (talvez até mesmo ingênua) de que tal panorama de desastres interpessoais contrasta profundamente com certa qualidade de vida experimentada por gerações passadas que basicamente praticavam o ato de procrastinar.
Vejamos: por não acordar com os olhos lacrimejados de porvir, nossos avós casaram-se aos 17 anos e com nenhum sinal de desespero consolidaram as famílias que se valem ainda de exemplos para algumas condutas filosóficas, sócias e religiosas, mais do que isso se tornaram para boa parte da sociedade romântica os verdadeiros heróis acessíveis. Foi procrastinando que pintamos nas cavernas os primeiros indícios de humanidade. Por não se doar tanto aos amanhãs, a Dercy Gonçalves viu passando 10 décadas vestidas de púrpura e ainda morreu falando de sexo. Foi procrastinando que os egípcios inventaram a anestesia e o PT chegou à presidência (?). Deixando pra depois aprendemos a masturbação e o perdão. Descarregados de porvires, é que vivemos os momentos mais intensos e interessantes de nossas vidas.
Quer saber, vou traçar a minha singela lista do que é possível ser feito logo que descarregado de amanhãs e imbuído de agoras:

1.      Experimentar alcachofras, não esperar até conhecer a Tunísia.
2.      Filmar aquele curta-metragem caseiro cujo roteiro se encontra em alguma das minhas pastas.
3.       Gastar todo o meu dinheiro numa viagem até Santiago/Chile, me viro depois.
4.      Convidar três amigos, quatro familiares e meu companheiro para um acampamento na Serra do Cipó, e de fato ir.
5.      Terminar meu bendito livro de dramaturgias minhas.
6.      Começar o Pilates (oh céus, o Pilates).
7.      Separar um dia inteiro para aprender a fazer o arroz soltinho.
8.      Decorar a parede da sala.

Bem, foi o que me veio à mente até agora. Provavelmente me acometeriam outras tantas urgências, mas é claro, na mais sincera hipocrisia de poeta, confesso: O relógio do computador já anuncia duas da madrugada de uma monstruosa segunda-feira e preciso dormir para acordar as sete, sobrecarregado de amanhãs.
Tchau, odeio texto de autoajuda.




segunda-feira, 21 de abril de 2014

TENDO EM VISTA!




          Ontem parei para pensar na expressão que se tornara jargão: TENDO EM VISTA...
         Bom, se pensarmos as circunstâncias nas quais a expressão é utilizada, quase nunca se tem em vista realmente aquilo que se pretende enxergar com clareza.Ter em vista é estar diante, nitidamente diante daquilo que se refere, é pôr de imediato o clarão dos olhos sobre o objeto, meta, caminho desejado. 
     Tenho em vista que poucas pessoas que utilizam o "tendo em vista" realmente calcularam as possibilidades, averiguaram os índices de acerto e erro, mediram os obstáculos e estatísticas. Se fizéssemos uma pesquisa certamente chegaríamos a conclusão de que são eles: jornalistas, pesquisadores de pós-graduação, artistas e economistas os principais desgastadores da expressão que oferece vastas possibilidades de reflexão do AGORA. E essa classe, convenhamos, adora uma conspiração e ficaria satisfeita em propôr intuições para informações tão importantes. Afinal, ter em vista é confortante e pertence ao que costumo chamar de "projeção do desalento". Claro, saber o que está porvir nem sempre é confortante, principalmente quando falamos de algo que pode vir, e não concretamente virá. O ser humano odeia hipóteses que o faça ganhar tempo sem entregá-lo o próprio tempo em suas próprias mãos.
         Sem falar na utilização dispensável do "gerúndio" que a essa altura desenvolve-se bem num tratamento psicológico sobre abandono e fama. 
       Bom, como não tenho em vista sequer o que quis dizer quando me pus a escrever sobre esse tema dispensável ao andamento da história (local, regional, mundial) finalizo esse discurso imbecil perguntando a todos vocês: Quantas vezes estiveram em uma sala de cinema com projeção 3D? 
        Alí sim, tenho em vista...